terça-feira, 4 de novembro de 2008

REFERENCIAIS ETICOS PARA IMPLANTAÇÃO DE CAPS

REFERENCIAIS ETICOS PARA IMPLANTAÇÃO DE CAPS
Dr. Maurício S. Garrote
Médico psiquiatra e analista institucional



Neste encontro pretendo trabalhar com vocês alguns referenciais éticos para implantação e condução de um CAPS e, tendo estes referenciais como horizonte, desenvolver algumas reflexões sobre as dificuldades envolvidas nesta tarefa. Por fim, tecerei alguns comentários sobre as experiências concretas de implantação dos CAPS de Capão Bonito e Buri, tendo como horizonte os mesmos referenciais éticos.
Antes de qualquer coisa, é importante esclarecer que ao longo da elaboração deste trabalho não me coloco no lugar de supervisor destes CAPS. Como coordenador da equipe e parte da equipe de atendimento, me reconhece atravessado pelos sentimentos todos – angústia, expectativa, frustração, alegria – que compõe o ambiente cotidiano destes locais de trabalho. Assim, enuncio estas considerações a partir do lugar de alguém intensamente afetado por esta experiência, com tudo o que isso pode trazer de subjetivo nas minhas perspectivas, mas também com tudo o que isso pode alimentar estas mesmas perspectivas.

Podemos identificar nos últimos séculos vários momentos de grande entusiasmo com as perspectivas abertas por determinados dispositivos clínicos para o trabalho com os pacientes psicóticos. Assim, no início do século as promessas de entendimento e conseqüente superação das psicoses a partir da psicanálise. Nos anos 50 a esperança da erradicação dos sintomas delirantes com o aparecimento dos primeiros antipsicóticos. Os anos 60 trouxeram propostas de novas formas de convivência com a loucura, a partir da antipsiquiatria e as comunidades terapêuticas. E em nosso meio, os anos 70 e a Reforma Psiquiátrica vieram somar grandes reformas institucionais, , com a aposta na mudança do eixo do tratamento – do hospital para a comunidade – para a reintegração social e a implicação dos familiares para o cuidado com o portador de sofrimento psíquico grave.
No entanto, junto com o entusiasmo – absolutamente salutar em qualquer nova proposta – veio também a constatação de que não há proposta técnica (biológica, psicodinâmica, ou institucional) ou projeto político que possa se pretender hegemônico, ou seja, pretender portar a solução final, totalmente efetiva, para o cuidado com o paciente psicótico.
Assim, quando falamos em referenciais éticos queremos dizer determinados elementos de valor que reconhecemos como úteis na lida diária com os pacientes psicóticos do CAPS. Esses elementos não são propostas técnicas no sentido de que não representam a explicação ou resposta de determinado corpo teórico para determinado quadro clínico. De outra forma, procuram apontar a direção do tratamento para que o agenciamento possível de determinadas técnicas não se perca na abstração de discussões teóricas, mas caminhe na direção do que acreditamos que ajuda o paciente.
É evidente que tais sinalizações éticas também não podem se pretender “absolutas”, mas construções provisórias da reflexão sobre o trabalho clínico.

Quero falar alguma coisa da concepção de Saúde que subjaz a elaboração clínica a seguir. Podemos diferenciar no repertório dos trabalhadores da saúde, e mesmo veiculadas pelos dispositivos formadores de cultura, três significados da palavra Saúde.
Primeiro, a Saúde como ausência de doença. Para essa concepção (que sustenta muito da lógica neoliberal de “implementação” de serviços de saúde), a efetividade de um dispositivo clínico estaria na sua capacidade de erradicar doenças e sintomas. Neste sentido, caberia ao CAPS identificar quadros clínicos e suprimir sintomas, aplacando situações de crises psicótica e prescindindo da internação psiquiátrica, como em um Hospital-Dia.
Segundo, a saúde como ausência de sofrimento: para esta concepção o,m CAPS seria o lugar de proteção para o paciente psicótico, onde ele poderia não sofrer, ou sofrer menos do que sofreria submetido aos confrontos com os elementos de sua rede social, como as demandas da família, ou a agressividade da competição por vagas de trabalho. Como em uma comunidade terapêutica. Esse modelo é bastante presente no funcionamento de inúmeros CAPS, onde a equipe acredita estar realizando o ideal de construção de um mundo melhor para o psicótico, mundo esse que estaria desconectado e protegido da realidade lá fora (na fantasia da equipe). Constituem-se assim cenários imutáveis, onde os mesmos pacientes passam longos períodos sem qualquer projeto que os vincule com a alta, como se não existisse tempo.
Terceiro, e como a concepção que procuro priorizar hoje, a Saúde como a disponibilização para o sujeito de suas próprias potencialidades, permitindo que ocupe um lugar ativo na configuração de forças de sua rede social. Neste sentido, o CAPS não investe só para dentro de si mesmo, na constituição de si como dispositivo de proteção do sofrimento, mas investe na construção de lugares na rede social que possibilitem o desenvolvimento das potencialidades de forma ao mesmo tempo protegida e já inserida na comunidade. Ou seja, o investimento do CAPS é para dentro e para fora.
É importante lembrar que neste modelo a plasticidade da equipe para identificação e mobilização das potencialidades do sujeito depende diretamente do quanto os membros da equipe estão à vontade para explorar suas próprias potencialidades / singularidades. De maneira que cada equipe, na medida de sua liberdade consigo mesma, desenvolverá recursos próprios para a mobilização das estruturas petrificadas da psicose.
Pensando a tarefa do CAPS como a identificação e a disponibilização para o sujeito de suas potencialidades, ocupa um lugar básico nessa tarefa a idéia de ambiência.
As potencialidades do sujeito, quando colocadas em movimento, expressam-se sempre nas relações humanas. Considerando-se que na psicose essas potencialidades estarão não expressas ou travadas, o sujeito humano envolvido na relação com o psicótico, no caso de um técnico do CAPS, está na tarefa constante de construir uma sensibilidade, através de oferecer sua presença como matéria de contra-trasferência, que
facilite a elucidação das mesmas. Chamamos aqui de contra-tansferência o conjunto de sentimentos, lembranças, experiências provocadas nos membros da equipe a partir do contato com os pacientes psicóticos. Esses sentimentos, sensações, se imprimem corporalmente na presença que o técnico oferece na ambiência. Essa marca singular e sua interpretação são a ferramenta mais poderosa que pode ser desenvolvida pela equipe, na apreensão e na intervenção no mundo da psicose.
A preocupação constante do técnico em sempre descobrir novas formas para esta sensibilidade, adotada pela equipe como um todo, produz o que chamo aqui de ambiência: para o paciente psicótico, o estar no CAPS é estar a todo momento sendo ouvido, visto de “outra maneira”, de maneiras singulares que surgem no correr do convivência com a equipe. A isso chamo de ambiência.

As estratégias estruturadas pela equipe (a partir da ambiência ) para colocar em movimento as potencialidades do paciente, tomam corpo no projeto terapêutico. É importante notar que a formulação de tal projeto não é uma discussão clínica (psiquiátrica, psicológica, interdisciplinar), mas uma construção coletiva, provisória, constituída pelos diferentes olhares e perspectivas de cada um dos técnicos (incluindo profissionais não universitários).
Essa construção, sempre provisória, inclui as concepções providas das técnicas, mas as abrigam num todo estratégico, orientado pelas referências éticas da equipe e não pela idéia de uma efetividade subordinado ao saber psiquiátrico ou psicológico (como a erradicação de sintomas, ou a superação de conflitos, por exemplo). A exclusão do projeto terapêutico de saberes “menos técnicos”, como a relação que determinado paciente estabelece com a cozinheira, ou o movimento de outros pacientes querendo criar uma comissão de limpeza, tende a repetir como proposta velhos esquemas teóricos de intervenção , estereotipados, e, portento, com pouca chance de “chegar perto” das singularidades dos pacientes psicóticos.

No sentido de gerenciar o percurso do paciente ao longo do projeto terapêutico construído pela equipe, constitui-se para cada paciente um terapeuta de referência. Esse técnico não precisa necessariamente ser o mais vinculado àquele paciente, ou com maior disponibilidade, e assim por diante, já que essas características não fazem parte das escolhas voluntárias de cada técnico. Diferente disso, deve ser capaz de manter a distância necessária a ponto de verificar os pontos de entrave do caminhar do paciente ao longo do projeto.

Tenho observado no meu trabalho, como parte de equipes de CAPS, que o maior risco que a equipe corre é de sucumbir a determinado ideais. A comunidade investe o CAPS de um suposto saber técnico que é capaz de fazer com que todas as inadaptações do sujeito psicótico parem de incomodar. Que ele não seja mais agressivo, que ele se mexa, que ele não seja chato, que ele cuide de sua higiene, que ele trabalhe: a família, co conselho tutelar, as entidades filantrópicas, todos esperam que a equipe “dê conta” de instalar tais imperativos na consciência do psicótico.
Por outro lado, os dispositivos de saúde (e a própria equipe do CAPS) exige da equipe um saber ideal, composto de uma técnica correta, “moderna”, capaz de uma eficácia total e uma normalização dos “pacientes da saúde mental”, como os usuários do CAPS em geral são conhecidos.
No momento onde a equipe do CAPS toma para si tais ideais, ela corre dois grandes riscos. O primeiro, de passar a cobrar de si a impossível tarefa da “adaptação” do psicótico às expectativas do ordem social; ou a mais impossível ainda tarefa da “erradicação” dos sintomas, ou do sofrimento (seja do paciente ou da família). Sendo que a psicose se caracteriza por deslocar as expectativas e investimentos sociais e apontar suas falências, produzindo inquietação. Por exemplo, quando a expectativa da família é que o chefe de família adoecido, ao passar pelo CAPS, volte a se constituir na mesma figura forte de antes, na mesma força de trabalho braçal, o que, por vezes, já foi abandonado pelo psicótico na própria crise que o trouxe ao CAPS. Ou a frustração da família ao descobrir que a principal potencialidade de seu filho prodígio, ao atravessar a crise esquizofrênica, é tornar-se um delinqüente comum. Essa cobrança “superegóica” da equipe sobre si é um caminho certeiro para a apatia e o niilismo.
Segundo, e principal, a equipe pressionada pela necessidade de erradicar sintomas, silenciar sofrimentos e outras metas impossíveis, passa a incorporar esse papel e não tem mais sensibilidade, escuta, ou criatividade para construção de novos lugares de significação, dispositivos clínicos que permitam ao psicótico o encontro singular com suas potencialidades.

Acredito que fique claro a partir daí que não vejo o dispositivo CAPS como lugar de re-conciliação, recuperação, ou normalização, mas como uma usina produtora de pensamentos, experiências e concepções que trazem interpretações criativas da rede social.o trabalhador de saúde mental vai ao CAPS não para “dar soluções”, mas para aprender com os problemas colocados pelas sempre novas interpretações que a psicose faz do real. Por exemplo, talvez a equipe possa aprender que a mania da filha é uma caricatura do próprio lugar de máquina de limpar a casa reservado a ela pelos pais – as faxinas constantes, dia e noite, sinalizam o protesto de um corpo que não agüenta mais fazer papel de máquina. Ou que o esquizo que martiriza seu corpo na greve de fome que o identifica com o Salvador é a imagem mais bem acabada do destino mortífero de sujeito sacrificado ao ideal.
Não se trata da já antiga apologia da loucura como visão “mais autêntica”, “superior”, de uma suposta realidade absoluta, transcendental. Essa visão nada mais seria do que uma nova busca de um ideal, o da “verdadeira visão dos loucos” e, como os outro ideais já citados, esse só faria distanciar a equipe de suas possibilidades atuais, concretas, de disponibilizar ao psicótico as suas potencialidade hoje.

Por fim, a título mais de indicação para discussão do que exemplos clínicos, cito duas características do processo de implantação do CAPS em Capão Bonito e em Buri.
Em Capão constantemente estamos à volta com as exigências do ideal. Seja dos dispositivos públicos (conselho tutelar, polícia, bombeiros) ou da família, a pressão para que o CAPS, “já que não interna, resolva de outro jeito o problema do doente” é grande. O que nos faz a todo momento, sem perceber, reproduzir essas exigências no interior da equipe. O médico (curiosamente instalado em um consultório no andar de cima) é esperado ansiosamente para que dê “um jeito” em tal paciente que está atrapalhando a rotina do CAPS. Ou determinado grupo terapêutico, que já deveria ter conseguido superar determinado conflito junto a tal paciente. Pequenos superegos uns dos outros nos aliviamos da frustração encontrando culpados pela nossa impotência entre nós mesmos, o que gera constantes mal estares entre os membros da equipe dificultando, portanto, o olhar para o paciente.

Em Buri, sofremos a cobrança de “tirar o pessoal feio das ruas da cidade”. Uma população crescente de paciente com retardo mental é encaminhada ao CAPS, para “não ficar sem fazer nada na rua ou em casa”. População esta que carrega a fantasia da cidade das relações incestuosas, consangüíneas: a maior parte dos familiares acha que “no fundo” os filhos são “retardados” por este “pecado”.
Desta forma, a equipe se vê na também impossível tarefa de fazer dessas pessoas cidadãos mais palatáveis para a rede social, sendo que a própria rede social elegeu esse grupo para encarnar alguns dos seus piores demônios. Enquanto isso, esses pacientes mostram com violência que são “retardados mesmo” - infantilizações caricatas, crises de birra, comer comida do cachorro do vizinho são veementes protestos de que eles vão continuar nesse lugar colocado pelo imaginário social

E no meio de tudo isso: a equipe dom CAPS.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

O MAIS IMPORTANTE PARA NÓS, DO CAPS,
É PODERMOS CONDUZIR NOSSO TRABALHO
CADA VEZ MAIS PRÓXIMOS DAS NECESSIDADES
DA NOSSA COMUNIDADE,
CUIDANDO PARA QUE O
CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL
CAPS
NÃO SE CONVERTA EM UMA SIGLA VAZIA,
PERMANECENDO SEMPRE COMO UMA IMPORTANTE
FERRAMENTA NA ASSISTÊNCIA DIÁRIA AOS
PORTADORES DE DOENÇA MENTAL.
Dr. Maurício Garrote

O que é o Caps?

Centro de Atenção Psicossocial (CAPS)
é um serviço de saúde aberto e comunitário do Sistema Único de Saúde (SUS).
Ele é um lugar de referência e tratamento para pessoas que sofrem com transtornos mentais, psicoses, neuroses graves e demais quadros, cuja severidade ou persistência justifiquem sua permanência num dispositivo de cuidado intensivo, comunitário, personalizado e promotor de vida.

O objetivo dos CAPS é
oferecer atendimento á população de sua área de abrangência, realizando o acompanhamento clínico e a reinserção social dos usuários pelo acesso ao trabalho, laser, exercícios dos direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários. É um serviço de atendimento de saúde mental criado para ser substitutivo ás internações em hospitais psiquiátricos.

Os CAPS visam:
· Prestar atendimentos em regime de atenção diária;
· Gerenciar os projetos terapêuticos oferecendo cuidado eficiente e personalizado;
· Promover a inserção social dos usuários através de ações intersetoriais que envolvam educação, trabalho, esporte, cultura e laser, montando estratégias conjuntas de enfrentamento dos problemas.
Os CAPS também têm a responsabilidade de organizar a rede de serviços de saúde mental de seu território
· Regular a porta de entrada da rede de assistência em saúde mental de sua área
· Coordenar junto como gestor local atividades de supervisão de unidade hospitalares psiquiátricas que atuem no seu território.
· Manter atualizada a listagem dos pacientes de sua região que utilizam medicamentos para saúde mental


As praticas realizadas no CAPS
se caracterizam por ocorrerem em ambientes abertos, acolhedor e inserido na cidade, no bairro. Os projetos desses serviços, muitas vezes, ultrapassam a própria estrutura físicas, em busca da rede de suporte social, potencializadora de suas ações, preocupando-se com o sujeito e sua singularidade, sua historia, sua cultura e sua vida cotidiana.
Hoje o CAPS de Capão Bonito,
conta com uma equipe de 13 funcionários, sendo um Medico Psiquiatra, duas Psicólogas, uma Terapeuta Ocupacional, um Enfermeiro, uma Assistente Social, dois Auxiliares de Enfermagem, um Oficial Administrativo, um Técnico Administrativo, uma Monitora, uma Técnica Educacional, e uma A.S.D.
QUANDO FOI IMPLANTADO:
Foi fundado no dia 10 de Outubro de 2006,
e atende 130 pacientes em regime intensivo, semi-intensivo e não-intensivo.



LOCALIZAÇÃO:
O CAPS encontra – se localizado na
Rua SAVADOR NICACIO MENDES Nº 278 – VILA SANTA ROSA.
Capão Bonito - SP